
Pois, o povo. Aquele com quem desde há vinte anos eu não saudava esta madrugada a cantar.
Desta vez, confesso, era diferente. Queríamos mostrar às filhas pequenas um pouco do que vivemos assim pequenos como elas. Acho que, porque éramos então os mais novos, nos sentimos agora como se fôssemos os últimos a poder passar testemunho daqueles dias em que se saía de casa e andava toda a gente na rua, um povo inteiro a sorrir.
Então, lá fomos, de cravo em riste, à festa do povo.

O povo!
O povo está velho, esclerosado, inválido, amorfo!
Ele era uma massa homogénea grisalha em casual wear envelhecida, bolsa-a-tira-colo-ou-jornal-debaixo-do-braço, mais uma pequena mole de teenagers, mais ou menos bêbados, mais ou menos rastas, mais ou menos freaks, homogéneos entre si, está claro.
E ele era pouco. Bastante pouco.
Pronto. Então chegamos lá mesmo à hora, estava a actuar o eterno coro de Letras. Mas não se ouvia. Soou a meia-noite, eles interromperam-se a meio da canção, o maestro deu meia volta para reger a assistência e até cantamos a «Grândola» afinadinhos (um tanto em surdina, enfim, não vá o diabo tecê-las)

Depois bateram-se palmas e começou o fogo-de-artifício, mas em surdina (não vá o diabo tecê-las, e mesmo porque esta meia dúzia de gatos pingados não vale grande investimento em foguetes).
Então acabou, batemos outra vez as palmas, as pessoas começaram a dispersar entre comentários: que éramos poucos, muito poucos, a coisa do costume, uma vergonha... mas que, vendo bem, tudo passava pela (des)organização do evento, porque actualmente não há quem tenha uma «razão racional» que o chame ali.
Bem, depois acabou.
Aninhada no meu colo, a filha disse:
- Ó mãe, gostei mesmo muito! Vou contar aos meninos. Foi muito bonito! Já podemos ir para casa?
(Pensando bem, se calhar até gostou. Deve ter-se sentido numa ocasião muito importante: do nosso lado da praça, ela e a amiguinha deviam ser as únicas crianças presentes. )

P.S. Não acho que a Revolução tenha que ser venerada. Nem me incomoda ver as gerações novas encarar a liberdade e a democracia como realidade intrínseca feito o ar que se respira - não tarda muito será mais um feriado com cerimónias oficiais, como a Implantação da República, é a ordem natural das coisas.
Intriga-me, isso sim, que se não aproveitem estas e outras ocasiões para mostrar aos nossos filhos que trazem em si a capacidade de acreditar, de lutar, de resistir, de dizer NÃO. Em potência.
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