15.5.06

nos arredores do Porto


Resta-nos às vezes, no meio deste urbanismo selvagem que à nossa volta se vai implantando, a sorte de poder olhar pela janela e ver espaço à nossa frente.
Há muito que tenho esse espaço um pouco como o meu quintal - aquilo que medeia entre a minha casa e o mundo, o ponto de onde todos os dias o meu olhar parte para tentar chegar mais além.
Quando aqui cheguei, há 30 anos, era espaço de campos de cultivo e vegetação mais ou menos serrada, com estreitos carreiros traçados na terra, e uma linha de caminho-de-ferro abandonada que em tempos cruzara a pequena estrada em paralelo que, de sudeste, atravessava a paisagem em diagonal.
Depois, quase de repente, abriu-se ao mundo: vieram primeiro novos bairros, pequeno comércio, melhores acessos, depois o hipermercado, o pavilhão de desportos, o hospital novo, o metro de superfície - a perfeita metáfora para a imagem de como os nossos universos de infância se vão perdendo face às evidências do que é real.
A questão é que há evidências que não precisavam de ser assim.
A questão é, por exemplo, a nuvem de tonalidades sempre mais escuras que se avista sobre o horizonte, de S. Mamede à Avenida da Boavista, sobretudo desde que os fogos dos últimos anos deram cabo de tudo o que era verde quilómetros à volta.
A questão é, por exemplo, deixar-se esvaziar uma cidade dos seus habitantes em nome da especulação imobiliária, da indústria automóvel, petrolífera & afins, e obrigar milhares de cidadãos a duas deslocações diárias muitas vezes demoradas, no sentido para ali terem que ir vender a sua força de trabalho porque há a sobrevivência a garantir ao fim do mês.
A questão é haver necessidade de levantar centenas de questões assim.
Aqui, do meu quintal, lugar da abrangência do mundo, vou começar a pôr algumas - embora às vezes até possa quase nem se perceber...

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