Todos os dias, ou quase, faço o mesmo trajecto para o trabalho: de Matosinhos ao Marquês pelo miolo da cidade. Atravesso um bairro social já antigo, em tempos idos afastado do centro, depois sucessivas zonas residenciais de luxo à altura em que são construídas - Andresas, Tenente Valadim, Damião de Góis... Onde ainda há algum espaço, o cenário é sempre assim:

Volta e meia, vou até à Baixa, qual viagem à terra de ninguém.
Caminha-se para o que é mais antigo e não há rua onde se não apresente meia dúzia de casas devolutas, entaipadas, em ruína. Aqueles mesmos edifícios que por um pormenor nos azulejos, um batente, uma sacada, faziam as delícias das nossas memórias da cidade - e as verdadeiras delícias das cidades estão nos sinais deixados pelas muitas pessoas que ao longo dos séculos lhes deram realidade e corpo.Volta e meia, vou até à Baixa, qual viagem à terra de ninguém.

Os amigos 'estrangeiros' estranham que eu não goste de lhes mostrar o velho burgo, mas de cada vez que a isso me aventuro acabo com a sensação de que mais alguma coisa nos está a ser roubada: o espírito de uma cidade ocupada maioritariamente pelos que lá vivem, não pelos que por lá passam apressados entre as 9 e as 7.
O Porto verdadeiramente transformado em cidade de cartão-postal às horas de tirar fotografias; pela noite, e a não ser que haja algum espectáculo, todo o centro é um deserto.

Depois, de vez em quando, saltam números. Acresce que os cerca de cem mil habitantes que abandonaram o Porto são, muito provavelmente, outros tantos cem mil a entrar e a sair da cidade diariamente.
Acresce que quem se aventura a habitar o centro as mais das vezes se arrepende, ele é o trânsito a entrar pela janela o dia todo, as crianças sem espaço onde brincar...
Acresce que a maioria das pessoas com quem eu trabalho acha um absurdo haver quem conteste que o La Féria tenha nas mãos o Rivoli, quase tão estranho quanto comprar uma casa que já tenha sido habitada anteriormente.
(a primeira imagem é do António Vasconcelos, as outras de autores desconhecidos)
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