7.6.09

o adeus de matilde

a
Subitamente, há uns meses, liga a vizinha: Matilde desaparecera. A velhice não perdoa e Georgina vira-se obrigada a levá-la consigo lá para sul, onde possui vivenda abastada. Ninguém disse nada, as rendas estão em dia, a correspondência vai-se acumulando na caixa do correio.

De início, ainda senti algum alívio: acabou-se a gataria, o cheiro pestilento escada acima. Mas foi prematuro.

[É um prédio à moda antiga, três apartamentos, um logradouro para cada nas traseiras. O andar superior está vazio há alguns anos.]

Liga de novo a vizinha. Que há mato, ninhos de ratos e ratazanas. Que os bichos infestam as redondezas. Que isto se passa na parte correspondente à casa desocupada. Vai daí fui lá ver, acompanhada pelo Sr. Pedro, perito em desratizações & afins providencialmente desenrascado graças às maravilhas da web.

À entrada, de novo o velho cheiro a gataria, mas o andar do meio continua sem vestígios de gente. A verdade revela-se-nos quando descemos às traseiras, observados por meia dúzia de felinos enfezados, de pelo ralo e ar macilento.

À porta da cozinha da Matilde, jazem restos de comida azeda em duas enormes tigelas, o cheiro não se aguenta. Um rato morto. Um gato a olhar.

Em baixo, piora. Alguém nas redondezas resolveu envenenar os bichos, mas isto vai há muitos meses. Tantos quanto demorou ficarem os gato reduzidos a uma peles esticadas no chão, ainda inteiras, caudas espetadas, só o volume das formas arredondadas das cabeças, quais marionetas. Assim à vista, contamos meia dúzia. A vizinha de baixo não parece ter-se incomodado muito.

Afinal não há mato, uma enorme figueira brava não deixa passar a luz do sol. Pelo chão cresce uma hera. Sem condição para criação de rataria, conclui quem sabe, à excepção da comida azeda e tigelas de água choca, coisa fácil de limpar.

Fico, portanto, a braços apenas com os restos da gataria da Matilde, cuja habitação foi entretanto ocupada pelos bichos sobrevivos, conforme denuncia o cheiro que emana do interior. Um último presente...
a

Sem comentários: