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Como funcionaria a censura na era da Internet? Da Austrália, uma antevisão da reacção em cadeia que ocorre quando se aplica uma ideia medieval a mundo de comunicação global em rede.
O protector Governo australiano suprimiu oficialmente 1370 sites da Internet. Elaborou uma lista negra, à semelhança do index de livros banidos da Idade Média. Actualmente, é um projecto piloto ao qual podem submeter-se voluntariamente os fornecedores de serviços da Internet. Mas se for considerado bem sucedido e vier a ser lei, qualquer pessoa que visite um dos sites arrolados poderá ser multada em 11.000 dólares por dia. O que significa considerar-se crime não apenas a produção de conteúdos de um site, mas a mera reprodução do seu endereço.
Não se trata apenas de suprimir livros. É como suprimir livros e suprimir a menção dos títulos dos livros suprimidos. É muita supressão.
Há, no entanto, um lado traiçoeiro: o Governo nem sequer diz quais são esses 1370 sites banidos. É segredo. Portanto, existem 1370 sites que podem implicar processo criminal contra qualquer indivíduo na Austrália, mas ninguém saberá quais são até os ter visitado. Isto saiu de 'Alice no País das Maravilhas'. A lógica retorcida funciona desta forma: se divulgassem a lista, as autoridades australianas estariam não só, elas próprias, a violar a lei, como a servir de veículo publicitário. Dos milhões de páginas em toda a Internet, 1370 seriam alvo de especial atenção, convidando qualquer curioso a espreitá-las.
Claro que as pessoas que elaboram o documento conhecem o seu conteúdo, mas aparentemente é gente de confiança que não sucumbirá à tentação de visitar os sites. E a dita lista foi então enviada a um grupo seleccionado de empresas prestadoras de serviços de Internet na Austrália para um primeiro ensaio. Mas a coisa não correu lá muito bem. Houve uma fuga de informação e foi divulgada à WikiLeaks, o site especializado na publicação de documentos confidenciais, causando especial embaraço aos projectos do Governo.
Aqui, o processo torna-se ainda mais bizarro. A WikiLeaks publicou integralmente a lista negra numa das suas páginas. Donde, essa página foi também acrescentada. É a 1371ª.
Escusado será dizer, não resisti à tentação de passar os olhos pelos nomes dos sites banidos. A maioria é pornografia, e alguns têm mesmo nomes que sugerem pornografia infantil, o que é crime. Mas é para isso que temos os tribunais. A lista australiana não foi elaborada por um tribunal; não houve audiência onde se provasse que esses sites são criminosos. Um grupo de activistas de direitos humanos coscuvilheiros elaborou-a, simplesmente. (...)
Muitos dos sites banidos podem ser ofensivos, mas não ilegais. E alguns são perfeitamente inócuos. Por alguma secreta razão, o site www.vanbokhorst.nl faz parte do rol. Se não estiver na Austrália, esteja à vontade para clicar. O meu holandês é fraco, mas parece ser de uma empresa de fretes rodoviários naquele país.
Como é que Van Bokhorst foi parar à lista negra na Austrália? Ninguém sabe, porque todo o processo decorreu em segredo, mesmo do próprio Van Bokhorst. É muito pouco provável que tenha clientes australianos. Mas essa nem sequer é a questão. Alguém anda a tomar decisões clandestinas acerca do que os australianos podem ou não podem ver.
Vi o mesmo tipo de censura noutros países - e não só nos que se assemelham à China comunista. A Tailândia implementou um processo similar, sob o pretexto de proteger os cidadãos da pornografia infantil. Mas - surpresa! - em poucos meses foram acrescentados novos sites, incluindo 1200 banidos por criticarem a família real tailandesa. Ter uma lista secreta nas mãos de um governo é ter este tipo de abuso político praticamente garantido.
A lista do teste australiano está cheia de items questionáveis, para além de empresas de fretes holandesas. Centenas de sites de poker são banidos. Ao contrário da pornografia infantil, o poker não é um crime. Pode ser um vício, mas como lidar com isso exige um debate político. A lista negra australiana encerra essa discussão com a força.
Há também um site sobre políticas de aborto. Poderão provavelmente calcular que lado do debate é alvo de bloqueio, mas qualquer que seja, é uma censura abominável.
Esta lista negra foi apresentada como uma forma de combater a pornografia infantil. Mas é terreno escorregadio: só vemos realmente o perigo quando já deslizamos na sua direcção.
A Comissão para os Direitos Humanos do Canadá pretende igualmente uma lista negra da Internet. Quer expandir cibertip.ca para englobar sites políticos, e não somente a pornografia infantil que visa actualmente.
Associamos livros a arder a julgamentos de bruxas e a Nazis, e não a burocratas de falinhas mansas. Mas queimar livros no século XXI não exige fósforos - apenas brio dos censores e um público sonolento.
Como funcionaria a censura na era da Internet? Da Austrália, uma antevisão da reacção em cadeia que ocorre quando se aplica uma ideia medieval a mundo de comunicação global em rede.
O protector Governo australiano suprimiu oficialmente 1370 sites da Internet. Elaborou uma lista negra, à semelhança do index de livros banidos da Idade Média. Actualmente, é um projecto piloto ao qual podem submeter-se voluntariamente os fornecedores de serviços da Internet. Mas se for considerado bem sucedido e vier a ser lei, qualquer pessoa que visite um dos sites arrolados poderá ser multada em 11.000 dólares por dia. O que significa considerar-se crime não apenas a produção de conteúdos de um site, mas a mera reprodução do seu endereço.
Não se trata apenas de suprimir livros. É como suprimir livros e suprimir a menção dos títulos dos livros suprimidos. É muita supressão.
Há, no entanto, um lado traiçoeiro: o Governo nem sequer diz quais são esses 1370 sites banidos. É segredo. Portanto, existem 1370 sites que podem implicar processo criminal contra qualquer indivíduo na Austrália, mas ninguém saberá quais são até os ter visitado. Isto saiu de 'Alice no País das Maravilhas'. A lógica retorcida funciona desta forma: se divulgassem a lista, as autoridades australianas estariam não só, elas próprias, a violar a lei, como a servir de veículo publicitário. Dos milhões de páginas em toda a Internet, 1370 seriam alvo de especial atenção, convidando qualquer curioso a espreitá-las.
Claro que as pessoas que elaboram o documento conhecem o seu conteúdo, mas aparentemente é gente de confiança que não sucumbirá à tentação de visitar os sites. E a dita lista foi então enviada a um grupo seleccionado de empresas prestadoras de serviços de Internet na Austrália para um primeiro ensaio. Mas a coisa não correu lá muito bem. Houve uma fuga de informação e foi divulgada à WikiLeaks, o site especializado na publicação de documentos confidenciais, causando especial embaraço aos projectos do Governo.
Aqui, o processo torna-se ainda mais bizarro. A WikiLeaks publicou integralmente a lista negra numa das suas páginas. Donde, essa página foi também acrescentada. É a 1371ª.
Escusado será dizer, não resisti à tentação de passar os olhos pelos nomes dos sites banidos. A maioria é pornografia, e alguns têm mesmo nomes que sugerem pornografia infantil, o que é crime. Mas é para isso que temos os tribunais. A lista australiana não foi elaborada por um tribunal; não houve audiência onde se provasse que esses sites são criminosos. Um grupo de activistas de direitos humanos coscuvilheiros elaborou-a, simplesmente. (...)
Muitos dos sites banidos podem ser ofensivos, mas não ilegais. E alguns são perfeitamente inócuos. Por alguma secreta razão, o site www.vanbokhorst.nl faz parte do rol. Se não estiver na Austrália, esteja à vontade para clicar. O meu holandês é fraco, mas parece ser de uma empresa de fretes rodoviários naquele país.
Como é que Van Bokhorst foi parar à lista negra na Austrália? Ninguém sabe, porque todo o processo decorreu em segredo, mesmo do próprio Van Bokhorst. É muito pouco provável que tenha clientes australianos. Mas essa nem sequer é a questão. Alguém anda a tomar decisões clandestinas acerca do que os australianos podem ou não podem ver.
Vi o mesmo tipo de censura noutros países - e não só nos que se assemelham à China comunista. A Tailândia implementou um processo similar, sob o pretexto de proteger os cidadãos da pornografia infantil. Mas - surpresa! - em poucos meses foram acrescentados novos sites, incluindo 1200 banidos por criticarem a família real tailandesa. Ter uma lista secreta nas mãos de um governo é ter este tipo de abuso político praticamente garantido.
A lista do teste australiano está cheia de items questionáveis, para além de empresas de fretes holandesas. Centenas de sites de poker são banidos. Ao contrário da pornografia infantil, o poker não é um crime. Pode ser um vício, mas como lidar com isso exige um debate político. A lista negra australiana encerra essa discussão com a força.
Há também um site sobre políticas de aborto. Poderão provavelmente calcular que lado do debate é alvo de bloqueio, mas qualquer que seja, é uma censura abominável.
Esta lista negra foi apresentada como uma forma de combater a pornografia infantil. Mas é terreno escorregadio: só vemos realmente o perigo quando já deslizamos na sua direcção.
A Comissão para os Direitos Humanos do Canadá pretende igualmente uma lista negra da Internet. Quer expandir cibertip.ca para englobar sites políticos, e não somente a pornografia infantil que visa actualmente.
Associamos livros a arder a julgamentos de bruxas e a Nazis, e não a burocratas de falinhas mansas. Mas queimar livros no século XXI não exige fósforos - apenas brio dos censores e um público sonolento.
«A censura na era da Internet», Ezra Levant, Canadian Lawyer Magazine
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