1.6.06

ser português...

Há cerca de um ano, a minha filha ficou doente. Uma amigdalite perfeitamente comum, que a obrigou a faltar à escola por alguns dias. Noticiava-se, na altura, o tradicional surto de meningite da Primavera. Uma colega, de 7 anos, lembrou-se de contar aos outros que a professora primária tinha dito tratar-se de uma meningite. Os outros repetiram a história em casa. Gerou-se um boato. Passados dias, andavam a escola primária (pública), e o ATL (de uma IPSS), a pedirem-me declarações médicas que lhes permitissem afirmar aos outros pais, com segurança, que não havia meningite nenhuma. Porque andava tudo em pânico.
Falei com o pediatra que a tinha observado, ele riu-se e elaborou um relatório do diagnóstico, acrescentando aí que a criança está vacinada contra as formas da doença prevalecentes no país. Fi-lo por uma questão de bom senso - porque percebi que era a única maneira de evitar que a coisa continuasse a alastrar.
Fiz questão de lembrar aos professores que, se tivesse sido uma meningite, ela teria que estar hospitalizada, que são doenças de declaração obrigatória, que, através dos serviços de Saúde, as escolas e os pais teriam sido informados, teria sido feita a profilaxia necessária, etc., etc., etc. Apercebi-me de que nem sequer tinham tentado explicar isso - preferiam tentar explicar que se tratava da neta de um médico...
Assim se ilustra, num pequeno episódio quotidiano, a total ausência de confiança dos cidadãos nas suas instituições (e, em última análise, nos técnicos que nelas exercem as suas profissões e que, na grande maioria dos casos, até são gente competente). E o completo laxismo das outras instituições, suas congéneres, no que toca a fazer aumentar os níveis dessa confiança.
Explicar as coisas aos pais? Claro que daria mais trabalho. Claro que haveria quem só se convencesse quando voltasse a ver a criança na escola, na semana seguinte, de perfeita saúde e munida do devido atestado médico por ter faltado por doença mais de três dias.
Eventualmente, até admito, poderia haver quem decidisse manter os filhos em casa uns dias, profilaticamente. Mas continuo a considerar não ser lá muito boa ideia andar constantemente a ceder a este tipo de pressões, que às vezes mais parecem chantagens, em que as ideias infundamentadas de leigos se sobrepõem às avalizadas informações de especialistas.
Quando se chega ao ponto de já ter havido desinfecões desnecessárias, em escolas públicas, como resposta à histeria de grupos de pais - e fenómenos deste género, quando começam, ninguém sabe onde podem acabar - também acho que se deveria começar a pensar nos custos deste tipo de episódios que, de uma maneira ou de outra, constantemente se repetem por aí.
Não só porque custam dinheiro, directamente, quer ao erário público quer às bolsas particulares, mas porque afectam recursos, humanos e materiais, que fazem falta noutros sítios.
Também assim se constrói a lentidão de processos que nos dá cabo da produtividade, e da vida, com cidadãos que quanto mais se queixam da má resposta das instituições, mais se dedicam a atulhá-las, e a si próprios, com um sem-fim de trabalho inútil.

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