3.6.07

questão cigana

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Victor Marques, presidente da União Romani Portuguesa, denuncia hoje no «Público» as «forças políticas» e «instituições de cariz religioso» que terão «procurado protagonismos» à custa da situação da comunidade cigana do Bacelo, no Porto, constituída por 14 famílias agora realojadas em bairros sociais, depois de o local que habitavam ter sido destruído por razões de salubridade e saúde pública.
BE, PCP e Pastoral Cigana são apontados como querendo tirar dividendos de uma situação em cujo desenrolar se limitaram a passagens esporádicas pelo Bacelo. Quanto à Plataforma Artº 65, a acusação é mais séria:
«Por outro lado, Victor Marques critica particularmente a Plataforma, que reúne várias organizações, como a SOS Racismo ou a Solidariedade Imigrante, empenhadas na concretização do artigo 65.º da Constituição que consagra o direito à habitação. O líder da URP considerou irresponsável o comunicado que este movimento emitiu há cerca de uma semana, a afirmar que havia um sentimento de revolta entre os moradores do Bairro do Lagarteiro perante a eventualidade de ali serem realojadas as famílias ciganas do Bacelo, em casas ocupadas por inquilinos com rendas em atraso. Victor Marques afirma que, até a Plataforma levantar a questão, não havia qualquer mal-estar no bairro.»
Para ter direito ao realojamento, os membros da comunidade cigana estiveram dois meses alojados em pensões e a frequentar acções de formação sobre a vida em apartamentos.
Seia bom, no entanto, que as comunidades que os vão receber também aprendessem meia dúzia de noções, como episódios de vidros partidos que não resultam de actos de destruição, mas do simples facto de ser difícil a quem nunca usou dessas coisas criar hábitos para nós simples, como não deixar ficar as chaves dentro de casa. Um sem-número de coisas assim irá com certeza acontecer.

Em Matosinhos, pelos inícios dos anos 90, foi tentada uma experiência. A uns 300 metros aqui de casa, uma família cigana foi instalada em três pequenos pré-fabricados posicionados em semi-círculo, como um pequeno acampamento. Filhos e filhas foram à escola, como agora vão os netos. Lembro-me de uma das mais novas, que andava pelos 12 anos e escrevia poemas ingénuos que dava a ler à minha irmã, toda contente.
A dada altura, alguns dedicaram-se ao tráfico de droga, foram apanhados, cumpriram pena. Mas nisso em nada diferem de inúmeras famílias não ciganas a quem aconteceu o mesmo naquela zona, uma das mais carenciadas de Matosinhos, onde há 30 anos ainda se passava fome a sério e até um tasqueiro de meia-idade chegou a montar um negócio paralelo de venda de estupefacientes.
Com o passar dos anos cresceu uma sebe que dá privacidade ao centro do acampamento, fronteiro à rua, onde se desenrola o essencial da vida comunitária. Mas ainda é possível ver o asseio e o cuidado que dedicam às suas coisas, o mesmo que a princípio nos deixava um tanto surpreendidos.
Não sei como ganham a vida actualmente, mas passo por lá muitas vezes e nada vejo que indicie os movimentos que se geram à volta dos locais de venda de drogas ilícitas. Nem sequer a passagem de 'drogaditos' da zona cujas caras conheço há muito.

Claro que apartamentos ocupam áreas de terreno menores, claro que muitos sítios os terrenos escasseiam e claro que há os interesses imobiliários a ter em conta. Mas estas soluções que acabam por integrar comunidades e formas de vida diferentes no inteiro respeito por cada uma das culturas e tradições em presença parecem de longe ter mais substância.
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