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Há um Porto de que poucas notícias nos chegam, quem é de fora não entra, quem é de dentro não gosta de falar.
No Aleixo, foi recentemente detida uma traficante de relevo, que trabalhava há mais de 15 anos sem que ninguém lhe conseguisse deitar a mão. Ressalve-se que grande parte disto decorre das características arquitectónicas dos blocos que constituem o bairro - seria absurdo imaginar uma rusga policial capaz de encontrar flagrantes quando para entrar nos domicílios é preciso subir muitos andares pelas escadas e passar despercebido em cada patamar.
Nas torres do Aleixo, em cada piso, os patamares são como os pátios comuns de antigamente: servem para secar a roupa, às vezes para instalar o tanque, para os velhos conversarem à soleira, para as crianças pequenas ensaiarem as primeiras correrias. Há mesmo quem delimite o espaço que rodeia a porta de entrada com redes e cancelas.
Nas torres do Aleixo, apesar da altura, há muitos anos que não há elevadores. Quando havia, eram usados como urinóis públicos por dezenas de pessoas, cabines e portas acabavam por não resistir.
As torres do Aleixo foram previstas para a construção de habitação de luxo em local privilegiado, junto ao rio. Deu-se entretanto a revolução, e a volumetria inicialmente aprovada acabou por ser adaptada a um projecto de habitação social destinada a abrigar a população da zona da Ribeira/Barredo, malha urbana com características de elevadíssima depressão económica e social. Vai daí, em cada piso construíram-se múltiplas habitações unifamiliares pequenas, o que faz com que um só andar abrigue tanta gente como um prédio de habitação social habitual.
As gentes carenciadas da Ribeira tiveram nova casa, sim senhor, mas nem por isso tiveram nova vida: é sabido que atrás da miséria vem a vida de expediente, do contrabando, do roubo, da prostituição, e os cursos de alfabetização não chegaram para abrir grandes caminhos.
Depois veio o boom das drogas por toda a cidade e a respectiva reacção policial. Foi uma questão de tempo: à medida que outros sítios foram sendo mais ou menos controlados e os bairros de lata demolidos, a quase inexpugnabilidade das torres do Aleixo fez delas o local onde a droga nunca faltava e onde toda a gente do meio acabava, mais cedo ou mais tarde, por se ir abastecer. Hoje, é o que (não) se vê.
O Aleixo faz do Porto um absurdo - ilha de miséria humana rodeada por condomínios de luxo protegidos por dezenas de seguranças 24 horas ao dia. A 100 ou 200 metros, até se consegue fazer de conta que não existe ali.
O Aleixo é um belíssimo exemplo de uma organização social espontânea de sucesso, comunidade em autogestão que a cada passo encontra as respostas adequadas à sua sobrevivência. Abandono escolar? E isso é problema? Isso é prestígio, isso é lucro - aos adolescentes entregam agora os traficantes a segurança do local. É eficaz: são doidos, por vezes inimputáveis, não têm medida de consequências. «É pior que favela carioca», diz quem cresceu numa delas.
Vem tudo isto a propósito do que me contaram um destes dias. Será o segundo caso, este ano, de toxicodependentes alvejados a tiro quando estão nas filas de espera (sim, às vezes as filas de 'agarrados' estendem-se pela rua, pior que as dos embrulhos de Natal no Continente, normalmente constituídas por indivíduos semidesfeitos em pleno síndrome de abstinência). Motivo para as duas mortes? Algum desses adolescentes armados um pouco mais doido resolveu praticar tiro ao alvo lá do alto...
[Há uns 15 anos, um antigo colega de liceu morreu lá esfaqueado por causa de... 2$50. Foi notícia no jornal.]
O Aleixo começará a resolver-se no dia em decidirem deitá-lo abaixo e iniciar tudo de novo, inserindo os seus habitantes em estruturas urbanas mais pequenas e permeáveis ao que as rodeia.
O Aleixo começará a resolver-se no dia em que completar o Ensino Secundário não seja o feito de uma vida para os seus adolescentes.
O Aleixo não terá solução possível enquanto o Porto não perceber que lhe pertence, tanto quanto a Torre dos Clérigos, a Casa da Música ou a Câmara Municipal.
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Há um Porto de que poucas notícias nos chegam, quem é de fora não entra, quem é de dentro não gosta de falar.
No Aleixo, foi recentemente detida uma traficante de relevo, que trabalhava há mais de 15 anos sem que ninguém lhe conseguisse deitar a mão. Ressalve-se que grande parte disto decorre das características arquitectónicas dos blocos que constituem o bairro - seria absurdo imaginar uma rusga policial capaz de encontrar flagrantes quando para entrar nos domicílios é preciso subir muitos andares pelas escadas e passar despercebido em cada patamar.
Nas torres do Aleixo, em cada piso, os patamares são como os pátios comuns de antigamente: servem para secar a roupa, às vezes para instalar o tanque, para os velhos conversarem à soleira, para as crianças pequenas ensaiarem as primeiras correrias. Há mesmo quem delimite o espaço que rodeia a porta de entrada com redes e cancelas.
Nas torres do Aleixo, apesar da altura, há muitos anos que não há elevadores. Quando havia, eram usados como urinóis públicos por dezenas de pessoas, cabines e portas acabavam por não resistir.
As torres do Aleixo foram previstas para a construção de habitação de luxo em local privilegiado, junto ao rio. Deu-se entretanto a revolução, e a volumetria inicialmente aprovada acabou por ser adaptada a um projecto de habitação social destinada a abrigar a população da zona da Ribeira/Barredo, malha urbana com características de elevadíssima depressão económica e social. Vai daí, em cada piso construíram-se múltiplas habitações unifamiliares pequenas, o que faz com que um só andar abrigue tanta gente como um prédio de habitação social habitual.
As gentes carenciadas da Ribeira tiveram nova casa, sim senhor, mas nem por isso tiveram nova vida: é sabido que atrás da miséria vem a vida de expediente, do contrabando, do roubo, da prostituição, e os cursos de alfabetização não chegaram para abrir grandes caminhos.
Depois veio o boom das drogas por toda a cidade e a respectiva reacção policial. Foi uma questão de tempo: à medida que outros sítios foram sendo mais ou menos controlados e os bairros de lata demolidos, a quase inexpugnabilidade das torres do Aleixo fez delas o local onde a droga nunca faltava e onde toda a gente do meio acabava, mais cedo ou mais tarde, por se ir abastecer. Hoje, é o que (não) se vê.
O Aleixo faz do Porto um absurdo - ilha de miséria humana rodeada por condomínios de luxo protegidos por dezenas de seguranças 24 horas ao dia. A 100 ou 200 metros, até se consegue fazer de conta que não existe ali.
O Aleixo é um belíssimo exemplo de uma organização social espontânea de sucesso, comunidade em autogestão que a cada passo encontra as respostas adequadas à sua sobrevivência. Abandono escolar? E isso é problema? Isso é prestígio, isso é lucro - aos adolescentes entregam agora os traficantes a segurança do local. É eficaz: são doidos, por vezes inimputáveis, não têm medida de consequências. «É pior que favela carioca», diz quem cresceu numa delas.
Vem tudo isto a propósito do que me contaram um destes dias. Será o segundo caso, este ano, de toxicodependentes alvejados a tiro quando estão nas filas de espera (sim, às vezes as filas de 'agarrados' estendem-se pela rua, pior que as dos embrulhos de Natal no Continente, normalmente constituídas por indivíduos semidesfeitos em pleno síndrome de abstinência). Motivo para as duas mortes? Algum desses adolescentes armados um pouco mais doido resolveu praticar tiro ao alvo lá do alto...
[Há uns 15 anos, um antigo colega de liceu morreu lá esfaqueado por causa de... 2$50. Foi notícia no jornal.]
O Aleixo começará a resolver-se no dia em decidirem deitá-lo abaixo e iniciar tudo de novo, inserindo os seus habitantes em estruturas urbanas mais pequenas e permeáveis ao que as rodeia.
O Aleixo começará a resolver-se no dia em que completar o Ensino Secundário não seja o feito de uma vida para os seus adolescentes.
O Aleixo não terá solução possível enquanto o Porto não perceber que lhe pertence, tanto quanto a Torre dos Clérigos, a Casa da Música ou a Câmara Municipal.
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3 comentários:
Por cá, temos a "zona J". Outros têm a Cova da Moura ou o Vale da Amoreira.
Infelizmente, problemas graves que mereceriam mais e melhor atenção.
Se em Braga, por outros mnotivos, se vai conseguir demolir o Coutinho...
Tinha deixado aqui um comentário há tempos mas, aparentemente, perdeu-se no ciberespaço. Atravessei uma vez o bairro em causa. Vinha de uma conferência e resolvi descer até ao rio de fato, gravata e mala e o acaso levou-me a atravessar as torres que ninguém quer vêr. Percebi que estava numa zona dícil, mas creio que o espanto dos moradores foi maior do que o meu, quando me viram tal como um turista a sair de um aeroporto. Quando o espaço urbano se organiza em coutadas e zonas de defeso damos o primeiro passo para a guerrilha urbana.
O clima de guerrilha urbana é uma realidade tangível: vídeo-porteiros, condomínios fechados ou equipas de segurança são só uma questão de grau.
Quanto à demolição do Aleixo, seria complicado. É provável que os terrenos tenham sido expropriados, haveria lugar a indemnizações. Para lá do realojamento dos moradores, que seria coisa deveras complicada
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